quinta-feira, junho 29, 2006

hiato


"sabendo que a última chance de continuar com os pés no chão é inventando outros chãos para mim. inventando, leia-se escrevendo. escrevendo e agarrando com os dentes minha improvável lucidez"
excerto de 'As pessoas dos livros', de Fernanda Young (OBRIGADA, PAT, POR ME EMPRESTAR)



não vou alegar exiguidade no meu tempo, nem problemas de saúde ou com o servidor disto aqui. está tudo aqui, no mesmo lugar. talvez rotacionado, mas a mesma coisa...
só que, sabe, é tanta música, é tanta coisa dentro desse antigo-rotacionado, que não tenho conseguido debruçar-me sobre um teclado para dar forma a isso. continuo escrevendo, mas quero guardar essas letras comigo por enquanto. no momento, estou tentando reconhecer essa coisa amorfa que é o passar dos dias sobre mim e o meu passo sobre os dias!

quinta-feira, junho 08, 2006

plangência dirimida*

*à memória de C.F.A, a quem devo parte do saber-me assim

segunda lei de newton

vou gravar numa fita k7
todo silêncio que a fita durar
vou cantar pra sarar
toda vergonha que o tempo
não vai poder remediar
vou valsar em prelúdio a dança
não aceita quando o dia
terminou sem perdoar
vou gastar saliva
falando o que já não tem mais pra falar
vou gritar o que você
já não suporta mais escutar


.todo corpo em repouso precisa de uma força para se movimentar .


poema da minha jujubinha!

*

Não podia acalentar-se dizendo: isto é apenas uma pausa, a vida depois virá como uma onda de sangue, lavando-me, umedecendo a madeira crestada. Não podia engarnar-se porque sabia que também estava vivendo e que aqueles momentos eram o auge de alguma coisa difícil, de uma experiência dolorosa que ela devia agradecer: quase como sentir o tempo fora de si mesma, abstraindo-se.
excerto de Perto do coração selvagem, de Clarice Lispector

***

como se todo encômio residisse no aparente desleixo de acender um cigarro. como se o fogo-fátuo dele combinasse com o flamejar próprio das peculiaridades enfastiadas de si mesmas...

como se se aproximasse a cada instante da beira da loucura. já havia aquele balançar caricatural dos loucos de manicômio, a sensação de que algo estava para acontecer. não, algo já estava acontecendo. e ela, estando fora por estar demasiado dentro, não sabia o que era, mas sentia.

podia reconhecer os sinais no oscilar do tempo, nos olhares, na forma como se encolhia ao dormir. era irrefutável. estava ali, nos vértices do quarto, como os fantasmas deliquescidos dos filmes de terror japonês.

faltava pouco. talvez uma borboleta extraída da sua cabeça, talvez uma boneca de pano com nome estranho, talvez um balbuciar de palavras incognoscíveis... e, então, ela teria por fim uma definição, um diagnóstico de nome extenso que, seja qual for, tem sinônimo certo: louca varrida.

quinta-feira, junho 01, 2006

_________aquático jazigo

"Sour Times"
Portishead

To pretend no one can find
The fallacies of morning rose
Forbidden fruit, hidden eyes
Curtises that I despise in me
Take a ride, take a shot now

Cause nobody loves me
It's true
Not like you do

Covered by the blind belief
That fantasies of sinful screens
Bear the facts, assume the dye
End the vows no need to lie, enjoy
Take a ride, take a shot now

Cause nobody loves me
It's true
Not like you do

Who am I, what and why
Cause all I have left is my memories of yesterday
Oh these sour times

Cause nobody loves me
It's true
Not like you do

After time the bitter taste
Of innocence decent or race
Scattered seeds, buried lives
Mysteries of our disguise revolve
Circumstance will decide ....

Cause nobody loves me
It's true
Not like you do
***
Quando Beatriz e Caiana te perguntarem, Dionísio,
se me amas, podes dizer que não. Pouco me importa
ser nada à tua volta, sombra, coisa esgarçada
no entendimento de tua mãe e irmã. A mim me importa,
Dionísio, o que dizes deitado ao meu ouvido
e o que tu dizes nem pode ser cantado
porque é palavra de luta e despudor.
E no meu verso se faria injúria

E no meu quarto se faz verbo de amor.

(Poema V de Ode Descontínua e Remota para flauta e oboé..., de Hilst)
***


sim, com efeito, não há melhor fomentador para a criatividade que os ânimos. eles têm ido e vindo, mas hoje não quero deixá-los à tona. quero a submersão, o naufrágio mesmo! que eles se desfaçam na ponta dos meus dedos, no estalar do meu isqueiro, no desenho do meu corpo entorpecido na cama, e me abandonem pela manhã! porque todos agora parecem clamar pela sua vez de orientar o que eu escrevo, digo que é demais. não posso agora querer tecer amavios a todos eles... prefiro-os assim, submersos, jungidos no fundo de mim. quem sabe se eu os recolher possa lidar melhor com esse expulsar-rogar em que eles me colocaram?

* depois escrevo algo compreensível!