terça-feira, fevereiro 14, 2006

"Conversa às 3:30 da madrugada"



às 3h30 da madrugada
uma porta se abre
e há passos na entrada
movendo um corpo,
e uma batida
e você repousa a cerveja
e responde.
com os diabos, ela diz,
você não dorme nunca?
e ela entra
com rolos no cabelo
e num robe de seda
estampado de coelhos e passarinhos
e ela trouxe a sua própria garrafa
à qual você gloriosamente acrescenta
2 copos;
o marido, ela diz, está na Flórida
e a irmã manda dinheiro e vestidos para ela,
e ela tem estado procurando emprego
nos últimos 32 dias.
você diz a ela
que é um cambista de jóquei e
um compositor de jazz e de canções românticas,
e depois de alguns copos
ela não se preocupa em cobriras pernas
com a beira do robeque está sempre caindo.
não são pernas nada feias,
na verdade são pernas ótimas,
e logo você está beijando uma
cabeça cheia de rolos,
e os coelhos estão começando a
piscar, e a Flórida é longe, e ela diz
que não somos realmente estranhos
porque ela tem me visto na entrada.
e finalmente
há muito pouca coisa
para dizer.



conheci Bukowski de forma inopinada: meu pai (ainda terão oportunidade de conhecê-lo... hehehehehe) tinha dois livros dele, Fabulário Geral do Delírio Cotidiano e Mixto Quente - diga-se de passagem que não se tratam de dois títulos tão conhecidos... fiquei olhando para a fotografia de divulgação... um velho pançudo, com uma camiseta justa e pequena, que mal cobria seu umbigo, um cara feio mesmo, com uma garrafa numa mão e uma mulher pitoresca (ai, o eufemismo...) na outra! fuçei tudo o que pude sobre a obra e a vida dele. curvei-me de imediato! já então gostava de ler e tinha cá as minhas aspirações mas nunca tinha visto nada tão escrachado. conservava a ingênua concepção de que Versos Íntimos era o máximo do rebelde, do soturno... é isso mesmo! literatura de colegial... podre!

não preciso dizer que cometi o delicioso delito de pegar esses livros "emprestados" sem autorização e tratei logo de pôr meu nome neles. que diabos, meu pai nunca leria aquilo mesmo! se leu, de certo que foi no tempo em que ele usava uma haviana de cada cor, mesclando rosa e azul, ou amarela e preta... dava tudo para ver isso!!!

bukowski, então, aguçou-me a sensibilidade - ele daria boas gargalhadas se soubesse disso e eu riria com ele da mesma maneira: marginal, contundente, anestésica...

Pour toi, mon gredin! (para você, meu patife!)


Um comentário:

Anônimo disse...

Bukowski é o cara. Incisivo e pronto.